Não.posso.pensar, se.eu.penso.eu.choro

"I'm going blind", she thought

[Antes de mais nada, meus cumprimentos a quem mantém um blog assiduamente. Não é nada fácil.]


É comum atores dizerem que cada apresentação de uma peça de teatro é única, porque, dentre outras razões, as reações do público variam muito de espetáculo para espetáculo.

Bom, Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover & Companhia ficariam, no mínimo, um pouco assustados com a sessão de Ensaio Sobre a Cegueira que eu presenciei hoje.

Pela quarta vez, fui assistir o filme, hoje, no Dia do Cinema Nacional. Sabe o cinema nacional? Que em sua maioria – ou pelo menos para a maioria das pessoas – é comédia ou comédia-romântica? Então. Talvez seja porque Ensaio é apenas 1/3 brasileiro, que ele não se encaixe exatamente nessas duas categorias. Mas isso é discutível, não é mesmo?

Cinema a R$ 2,00 lota as salas (fica a dica!). Entramos (estudantes de audiovisual) quando o filme já estava começando, sinal vermelho, sinal verde, sinal vermelho, sinal verde. Algumas outras pessoas também chegaram um pouco atrasadas e fizeram mais barulho do que o necessário para achar seus lugares, mas isso é praxe. As coisas começaram a realmente ficar estranhas quando O Primeiro Homem Cego fica cego e é, por alguns segundos, abandonado na rua pelo Ladrão. A imagem fica borrada, não sabemos para onde esse personagem que acabamos de conhecer está se dirigindo e o som dos carros passando parece vir de todo lugar. E... as pessoas estavam rindo.

Ok, empatia é um sentimento que surge em tempos diferentes para cada pessoa, provavelmente um homem cego nos primeiro segundos de um filme com esse título não causa o mesmo impacto em todo mundo. Mas seria razoável assumir que uma criança, uma mulher perdida e misteriosa, um médico apaixonado por sua esposa que ficam cegos sem nenhuma explicação transmitissem algo que não é exatamente... humor?

Eu estava ansiosa – além de claramente um pouco desconfortável – para ver se à medida que esses personagens descessem no redemoinho que é a história, os risos se tornariam cada vez mais nervosos, inquietos, e finalmente cessariam.

Na primeira vez que vi o filme (diga-se de passagem, nesse mesmo cinema do shopping SP Market, com a sala bem mais vazia), não prestei muita atenção na reação das outras pessoas porque estava muito absorta na história. Na segunda vez, vi sozinha, e fiquei mais atenta. Alguns choravam, enquanto outros se remexiam desconfortáveis nas cadeiras, e outros ainda se levantavam e saíam nas cenas de estupro. Normal, até mesmo em Cannes o filme incomodou.

Mas para os espectadores de Jurubatuba, o copo alegórico está sempre meio cheio! Estupro? Acontece nos melhores países, gente! Não ta vendo? Eles falam inglês e tão estuprando! Assassinato? Mas ela era mesmo um peixe-morto! Hahahahah

Até os “momentos de descontração” no filme, que foram inseridos para aliviar a crescente tensão, passaram praticamente despercebidos em meio à contínua risada da platéia.

Sinceramente, eu não sei ao certo se essas pessoas são completamente incapazes de criar vínculos e empatizar com o sofrimento dos personagens ou se elas simplesmente se forçam a levar tudo numa boa, a não enxergar, porque, afinal, não é com elas que aquilo está acontecendo, é com estranhos que nem sequer existem, é tudo mentirinha e não nos afeta, nem um pouquinho.

Seja qual for a situação, Aristóteles teria dado uma bronca nessas pessoas que não dão nenhuma importância à catarse. Saramago teria se levantado e ido embora. Freud teria entregado seu cartão às meninas que riram nas cenas de estupro.

Quanto a mim, eu chorei, como em todas as outras vezes. Mas dessa vez, não pelas mulheres sem nome que eram abusadas na tela e representavam uma História de sacrifícios, mas pelas pessoas naquela sala, tão próximas de mim, e mais distante, impossível.


Sessentindo:


Nervosa/com medo

4 comentários:

  1. Dizem que o povo brasileiro é um dos mais bem humorados do mundo. Por isso vivemos tão bem, rimos em meio a esse caos, rimos quando vemos pobreza e gargalhamos quando vemos corrupção.

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  2. Pois é, amiga...
    Isso aconteceu comigo no Broeback Mountain (nem lembro mais direito o nome do filme), quando a plateia inteira riu mediante ao sofrimento da mulher que descobria que o homem que ela amava era gay e tb no Lições particulares, quando o menino sofre abuso sexual e psicológico (não vamos discutir esse filme de novo, eu sei).
    É só que nota-se que os filmes tb tem esse propósito: ali, no escurinho da sala de cinema, as pessoas revelam o que o pensamento politicamente correto as faz reprimir.
    O bom é saber que tem pessoas como vc, que ainda se indignam com isso!

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  3. bem, apesar das cenas fortes q o filme traz, fiquei mto curioso para assistí-lo após esse seu post. Pelo visto deve ser tão bom qto o livro.

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  4. eu entendi frequentadores de shopping quando assisti "O Despertar dos Mortos Vivos" lembra??
    o pessoal falecido batendo cabeça nas vitrines e babando aquela gosma nos corredores..pois é..esse turma tb deve se cansar e entrar no cinema..
    deve ter sido com eles que vc viu o filme.

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Rindo comigo